Algumas notas em torno da evolução
do preço do petróleo

A perversa irracionalidade<br>das potências que dominam<br>o mundo

Fernando Sequeira

As pro­fundas va­ri­a­ções do preço do pe­tróleo bruto, e, em sequência, do preço dos re­fi­nados têm ge­rado dú­vidas, per­ple­xi­dades e in­com­pre­en­sões. A si­tu­ação, que con­tinua a de­sen­volver-se, para além de pe­ri­gosa, co­meça até a gerar pro­fundas con­tra­di­ções.

No quadro ac­tual de ex­plo­ração (...) os pe­tró­leos con­ven­ci­o­nais estão em muitos lo­cais ou es­go­tados ou em franco de­clínio, ex­plo­rando-se cada vez mais pe­tró­leos não con­ven­ci­o­nais

O de­sen­vol­vi­mento e cres­ci­mento do úl­timo sé­culo está in­dis­so­ci­a­vel­mente as­so­ciado ao pe­tróleo.

Entre ou­tros im­por­tantes as­pectos, o pe­tróleo re­vo­lu­ci­onou com­ple­ta­mente o sis­tema de trans­portes (cerca de 70% do con­sumo final de todas as uti­li­za­ções do pe­tróleo ener­gé­tico), par­ti­cu­lar­mente pela in­tro­dução e cres­ci­mento ex­po­nen­cial do au­to­móvel.

Sendo imensas e cada vez mais di­ver­si­fi­cadas as ma­té­rias-primas que têm su­por­tado o cres­ci­mento e o de­sen­vol­vi­mento, o pe­tróleo ocupa con­tudo entre elas um papel único e in­subs­ti­tuível.

O pe­tróleo en­cerra um ele­vado e di­ver­si­fi­cado po­ten­cial de uti­li­za­ções. Como com­bus­tível, seja para di­versos tipos de trans­portes – ro­do­viário, flu­vial e ma­rí­timo e aéreo – seja na in­dús­tria e nos edi­fí­cios, mas também como ma­téria-prima, das in­dús­trias pe­troquí­micas, base de um vas­tís­simo con­junto de bens in­ter­mé­dios e de con­sumo final. Este é um im­por­tante as­pecto face à ne­ces­si­dade de ra­ci­o­na­li­dade na uti­li­zação do pe­tróleo.

Mesmo num país pe­queno como Por­tugal, o peso do pe­tróleo na eco­nomia e na so­ci­e­dade é sig­ni­fi­ca­tivo.

De 2012 a 2014, as im­por­ta­ções, cor­res­pondem sempre a va­lores su­pe­ri­ores a 11 mi­lhões de to­ne­ladas.

As im­por­ta­ções em valor de ramas e re­fi­nados atin­giram, res­pec­ti­va­mente, em 2012, 2013 e 2014, os 9,2, 9,4 e 8,3 mil mi­lhões de euros.

Pe­tróleo, re­curso não re­no­vável

O pe­tróleo, tal como os ou­tros com­bus­tí­veis fós­seis – gás na­tural e carvão – é uma ma­téria-prima não re­no­vável, isto é, após a sua ex­plo­ração, a na­tu­reza, pelo menos no tempo his­tó­rico, não tem con­di­ções de a repor. E a Hu­ma­ni­dade, nos úl­timos cem anos, já uti­lizou cerca de me­tade ou mesmo mais das re­servas pro­vadas e pro­vá­veis de pe­tróleo con­ven­ci­onal.

Tal uti­li­zação não de­correu de forma pro­por­ci­onal ao longo dos de­cé­nios, mas, bem ao con­trário, teve uma ace­le­ração im­pe­tuosa e per­sis­tente a partir dos anos 50 do sé­culo pas­sado.

Por outro lado, a uti­li­zação do pe­tróleo também foi pro­fun­da­mente as­si­mé­trica e in­justa ao nível das ge­o­gra­fias. O cha­mado mundo Oci­dental, com menos de 20 por cento da po­pu­lação mun­dial, foi e é res­pon­sável por mais de 80 por cento do con­sumo de pe­tróleo, com um es­pe­cial des­taque para os EUA (ainda hoje com 22% do con­sumo mun­dial).

Ao con­trário das pre­o­cu­pa­ções am­bi­en­ta­listas li­gada ao uso dos com­bus­tí­veis fós­seis, a questão do es­go­ta­mento do pe­tróleo e das pro­fun­da­mente cons­tran­ge­doras con­sequên­cias daí re­sul­tantes para as so­ci­e­dades, é uma questão que não é ge­ral­mente co­lo­cada.

Para o ca­pi­ta­lismo na sua ac­tual fase, na suas re­la­ções com os re­cursos e o am­bi­ente, o que conta é o dia de hoje, talvez even­tu­al­mente o de amanhã, no quadro da ma­xi­mi­zação per­ma­nente do lucro.

Se daqui a duas ou três ge­ra­ções já não existir pe­tróleo bas­tante, é questão que pouco im­porta.

Acerca do preço do pe­tróleo

O preço do pe­tróleo, cons­ti­tuindo uma im­por­tante questão con­jun­tural, é so­bre­tudo uma cru­cial questão es­tru­tural e es­tra­té­gica.

Isto porque es­tamos pe­rante uma questão pro­fun­da­mente con­tra­di­tória, que é a de o facto de os preços do pe­tróleo hoje po­derem con­fli­tuar com a dis­po­ni­bi­li­dade de pe­tróleo amanhã, ou seja, quanto mais baixos forem os preços hoje, tanto menos pe­tróleo te­remos amanhã.

O preço do pe­tróleo bruto, de­fi­nido nos mer­cados in­ter­na­ci­o­nais, de­corre, em prin­cípio, da re­lação entre a oferta e a pro­cura.

Apa­ren­te­mente trata-se de um pro­cesso sim­ples. Mas só na apa­rência, pois que, quer do lado da oferta, quer do lado da pro­cura, fac­tores alheios ao mer­cado fí­sico do pe­tróleo podem al­terar pro­fun­da­mente este equi­lí­brio, for­çando ar­ti­fi­ci­al­mente as su­bidas ou as des­cidas dos preços.

To­davia, tudo isto deve ser en­ten­dido numa pers­pec­tiva de curto prazo, pois que no longo, ou muito longo prazo, existe uma va­riável de­ter­mi­nante, a saber, o nível das re­servas pro­vadas e as ex­pec­ta­tivas plau­sí­veis de novas des­co­bertas, a par das con­di­ções ge­o­ló­gicas de ex­plo­ração. Umas e ou­tras, fi­zeram, fazem e farão subir ine­xo­rável e ten­den­ci­al­mente o custo de des­co­berta e ex­tração, dado o pro­cesso de es­go­ta­mento em curso.

Assim, re­la­ti­va­mente à oferta e in­de­pen­den­te­mente do nível das re­servas, ra­zões ex­ternas ao mer­cado, de tipo muito di­fe­ren­ciado, mas sempre com uma ele­vada com­po­nente não só eco­nó­mica como também fi­nan­ceira, po­lí­tica e ge­o­po­lí­tica, podem al­terar abrup­ta­mente o nível médio dos preços.

Três exem­plos, a saber: o pri­meiro, o da crise de 1973, em que al­guns países da OPEP1, par­ti­cu­lar­mente os árabes, na sequência do apoio de al­guns países oci­den­tais a Is­rael, du­rante a guerra do Yom Kippur, re­du­ziram dra­ma­ti­ca­mente a pro­dução cri­ando até es­cassez; o se­gundo, mais re­cente, entre 2007 e 2013, de­vido, no fun­da­mental, à ga­nância do grande ca­pital mul­ti­na­ci­onal li­gado ao sector e à exa­cer­bada es­pe­cu­lação por ca­pital fi­nan­ceiro nas bolsas, em que o crude subiu brusca e dra­ma­ti­ca­mente até quase aos 150 USD/​barril em torno de Ja­neiro-Fe­ve­reiro de 2008, man­tendo-se num pe­ríodo de quase três anos (2011-2013) entre os 100 e os 120 USD/​barril; o ter­ceiro, a partir de me­ados de 2014 e apa­ren­te­mente por de­cisão da OPEP, de­vido à ma­nu­tenção de so­bre­pro­dução, mesmo com apro­vi­si­o­na­mento pleno, no quadro de um ar­re­fe­ci­mento geral da eco­nomia, os preços têm vindo a descer de forma per­sis­tente e pro­funda.

Re­la­ti­va­mente à pro­cura, ela está a evo­luir, seja pelo menor con­sumo de­vido  à es­tag­nação eco­nó­mica, seja à im­ple­men­tação de mu­danças es­tru­tu­rais nal­gumas zonas, como é o caso da UE, de­sig­na­da­mente ao au­mento da efi­ci­ência ener­gé­tica, seja pelo maior con­sumo em ou­tras vastas partes do mundo (China por exemplo), onde a ca­pi­tação de energia está muito aquém dos prin­ci­pais países ca­pi­ta­listas.

Os custos de ex­plo­ração

No pro­cesso de ex­plo­ração das re­servas de pe­tróleo exis­tentes nas vá­rias pro­vín­cias pe­tro­lí­feras, na­tu­ral­mente que se co­meçou por ex­plorar aquelas ocor­rên­cias de mais fácil ex­plo­ração, ajus­tadas aos co­nhe­ci­mentos e tec­no­lo­gias co­nhe­cidos à época (pri­meiro quartel do sé­culo XX), e que também cor­res­pon­diam, regra geral, a pe­tró­leos de me­lhor qua­li­dade. Eram e são os cha­mados pe­tró­leos con­ven­ci­o­nais, também ob­vi­a­mente de ex­plo­ração ba­rata. Os cha­mados pe­tró­leos não con­ven­ci­o­nais ocorrem em con­di­ções ge­o­ló­gicas muito menos aces­sí­veis e mais com­plexas, e his­to­ri­ca­mente cada vez mais di­fí­ceis e dis­pen­di­osos de ex­trair – ja­zigos off-shore, em águas cada vez mais pro­fundas, pe­tróleo ainda ocluído em ro­chas-mãe com­pactas, be­tumes im­preg­nados em are­nitos, também os con­den­sados as­so­ci­ados à ex­plo­ração de gás na­tural, etc. Nas úl­timas dé­cadas têm sido ex­plo­rados para ir com­pen­sando a quebra da pro­dução de pe­tróleo con­ven­ci­onal.

Por­tanto, no quadro ac­tual do pro­cesso de ex­plo­ração, que se­gundo muitos es­pe­ci­a­listas já atingiu o seu pico, es­tando na fase des­cen­dente, os pe­tró­leos con­ven­ci­o­nais estão em muitos lo­cais ou es­go­tados ou em franco de­clínio, ex­plo­rando-se cada vez mais pe­tró­leos não con­ven­ci­o­nais, o que exige so­lu­ções téc­nicas cada vez mais com­plexas e dis­pen­di­osas.

Por exemplo, os custos ope­ra­ci­o­nais de ex­tração (sem en­cargos fi­nan­ceiros e di­vi­dendos), são de cerca de 40 USD/​barril na Arábia Sau­dita, no Kuwait e nos EUA, em torno dos 50/​55 USD/​barril na Rússia, de mais de 70 USD/​barril no Brasil e de mais de 70 USD/​barril nos EUA.

O tipo de ocor­rên­cias, as­so­ciado às con­di­ções ge­o­ló­gicas, con­di­ciona a po­lí­tica de preços, as mar­gens e a vi­a­bi­li­dade da sua ex­plo­ração, e ex­plica, em grande parte, so­bre­tudo a ca­pa­ci­dade que al­guns pro­du­tores pos­suem de for­çarem des­cidas dos preços.

Traços da ac­tual crise

Apa­ren­te­mente, os países da OPEP1 reu­nidos em Viena em No­vembro de 2014 acor­daram manter os seus ní­veis de pro­dução, com vista à ma­nu­tenção das suas quotas de mer­cado.

Esta foi uma de­cisão exac­ta­mente de sen­tido con­trário à de 1973.

Por de­trás desta de­cisão, for­mal­mente co­lec­tiva, mas que tudo in­dica li­de­rada e pres­si­o­nada pelo maior pro­dutor, a Arábia Sau­dita, em ali­ança com os EUA, não es­teve a sim­ples ma­nu­tenção das res­pec­tivas quotas de mer­cado, mas por­ven­tura a ten­ta­tiva de atingir al­gumas das prin­ci­pais eco­no­mias emer­gentes, e também ou­tros grandes pro­du­tores de pe­tróleo.

A ma­nu­tenção dos ní­veis de pro­dução (so­bre­tudo nos países com me­nores custos de pro­dução), em si­mul­ta­nei­dade com a queda da pro­cura, con­duziu a um abai­xa­mento dos preços (abaixo de 60 dó­lares/​barril a partir de Fe­ve­reiro de 2015, tendo atin­gido os 36,5 em De­zembro), com efeitos de­vas­ta­dores para um im­por­tante con­junto de países.

Entre os mem­bros da OPEP, entre 2014 e 2015, ocor­reram bru­tais quedas nos PIB de al­guns países grandes pro­du­tores, de­sig­na­da­mente a Ve­ne­zuela com 36,5 por cento, o Kuwait com 28 por cento, o Iraque com 26,5 por cento, An­gola com 21 por cento, os EAU com 20 por cento, a Ni­géria com 19 por cento, a Ar­gélia com 18 por cento e a pró­pria Arábia Sau­dita com 15 por cento.

Os efeitos sobre os res­pec­tivos dé­fices or­ça­men­tais foram vi­o­lentos. Os casos mais graves são no­va­mente o da Ve­ne­zuela, com um agra­va­mento do dé­fice or­ça­mental de 2014 para 2015 de 15 por cento para 25 por cento do PIB, o Iraque de seis por cento para 23 por cento, a Arábia Sau­dita de seis por cento para 22 por cento e a Ar­gélia já com um dé­fice de 14 por cento em 2015.

Os res­tantes países da OPEP, ex­cepto o Qatar e o Kwait, apre­sen­tavam dé­fices or­ça­men­tais pró­ximo dos cinco por cento, quando antes os não ti­nham.

De ou­tros muito grandes e grandes pro­du­tores ex­te­ri­ores à OPEP, como a Fe­de­ração Russa, o Brasil ou o Azer­beijão (neste 95 % das ex­por­ta­ções são pe­tróleo), a si­tu­ação, tanto quanto se co­nhece é também di­fícil, em­bora em graus di­fe­ren­ci­ados.

A si­tu­ação, que con­tinua a de­sen­volver-se, para além de pe­ri­gosa, co­meça até a gerar pro­fundas con­tra­di­ções. Mesmo os países da OPEP que apa­recem como res­pon­sá­veis da acção, como a Arábia Sau­dita, o Kuwait e os EAU (Emi­ratos), estão também a ser atin­gidos pela onda de choque.

Para o prin­cipal aliado e por­ven­tura even­tual pro­motor da acção, os EUA, se afas­tarmos o mito da sua auto-su­fi­ci­ência ener­gé­tica (os EUA ainda im­portam 45 % das suas ne­ces­si­dades em pe­tróleo), a des­cida dos preços, face aos ele­vados custos de ex­plo­ração do shale oil e do tighs oil, está a con­duzir a grande mai­oria das em­presas de ex­plo­ração à in­sol­vência. As que so­bre­vivem é graças ao en­di­vi­da­mento e enormes ajudas fi­nan­ceiras.

Para 2016, estão pre­vistos preços mé­dios de 35 USD/​barril, contra 73 USD/​barril em 2015, o que sig­ni­fica uma queda de cerca de 52 por cento, com os va­lores mais baixos para o Kuwait (25 USD/​barril) e a Arábia Sau­dita (29 USD/​barril), exac­ta­mente dos países que têm as mais fa­vo­rá­veis con­di­ções de ex­plo­ração. Aqui estão pois, a li­derar a ca­mi­nhada para o abismo, os dois prin­ci­pais ac­tores, ou senão, pelo menos dois dos prin­ci­pais fac­tota dos EUA.

Restam as con­sequên­cias do le­van­ta­mento de san­ções ao Irão. Trata-se de um im­por­tante actor pe­tro­lí­fero (cerca de 9,5 % das re­servas mun­diais de pe­tróleo). Con­tudo, após um longo pe­ríodo de quase pa­ragem e da ob­so­les­cência dos sis­temas de ex­plo­ração a sua en­trada no mer­cado de­verá ser lenta.

Pre­sen­te­mente, as pe­tro­lí­feras atrasam in­ves­ti­mentos nos ac­tuais e em novos campos. En­quanto re­tardam o en­cer­ra­mento de campos em fim de vida, re­duzem dras­ti­ca­mente en­cargos com ex­plo­ração e ope­ração, ao mesmo tempo pro­ce­dendo a fu­sões e a aqui­si­ções de ope­ra­doras em fa­lência. Mas com isto, com­pro­metem a boa pro­dução fu­tura. Essa per­versa ir­ra­ci­o­na­li­dade po­derá ser ex­pli­cada por in­ten­ci­onal ob­jec­tivo de ani­quilar eco­nó­mica e po­li­ti­ca­mente países com ele­vadas pro­du­ções e re­servas, con­si­de­rados como «ini­migos», ainda que com ele­vados custos e riscos para os de­mais, e tur­bu­lência e in­cer­teza mun­dial.

À guisa de con­clusão

O ca­pi­ta­lismo é in­capaz de re­solver qual­quer dos grandes pro­blemas da Hu­ma­ni­dade. O ener­gé­tico também.

A gestão do pa­tri­mónio ge­o­ló­gico que é o pe­tróleo de­veria ser sa­bi­a­mente uti­li­zada, no sen­tido de pos­si­bi­litar um de­sen­vol­vi­mento ver­da­dei­ra­mente sus­ten­tável, mas esse pa­tri­mónio está, ao con­trário, a ser de­la­pi­dado na vo­ragem dos in­te­resses das trans­na­ci­o­nais e grandes po­tên­cias que do­minam o Mundo.

De facto, outro rumo é ur­gen­te­mente ne­ces­sário.

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1 Países cons­ti­tuintes da OPEP: Ar­gélia, An­gola, EAU, Equador, Irão, Iraque, Kwait, Ni­géria, Qatar e Ve­ne­zuela.